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quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Opinião pública ignora principal problema da Amazônia - Ronaldo Pereira Santos*



Qual o problema que mais importa no meio de tantos que assolam a Amazônia? Qual deles tem efeito dominó sobre quase todos os outros grandes problemas? E mais: até onde a mídia e, por extensão, a opinião pública, têm devotado atenção ao tema?
A Amazônia brasileira é considerada o principal bem que o país possui. Os (muitos) problemas da região, portanto, são problemas dos brasileiros (embora a maioria destes tenha visão distorcida ou estereotipada sobre a mesma). Mineração, questão indígena, hidrelétricas, desmatamento, tráfico de drogas, fronteiras internacionais, biopirataria, ingerência estrangeira, pistolagem e grilagem de terras fazem parte do coquetel de problemas ofertado diariamente no noticiário.

Novamente, para solucioná-los, por onde começar?

De acordo com a avaliação do governo federal o maior e mais importante problema da região é o da terra - também denominado “caos fundiário”. O governo afirma que o tema é sua prioridade na Amazônia. E tem razão: sem solucioná-lo reduzir, mitigar ou apontar soluções para as outras encrencas da região não passará de perfumaria.

Especial atenção deve ser dada ao que tem maior visibilidade: o desmatamento correlacionado diretamente com a posse da terra (leia aqui: Quem chega primeiro na Amazônia: o Estado ou o grileiro?)

“Caos fundiário”: significado e breve história

Grosso modo, a questão fundiária tem relação com quem é dono de qual terra, qual seu tamanho e onde está situada. (Veja infográfico explicativo). Se pensarmos que tudo que se passa tem que necessariamente acontecer na terra – com raríssimas exceções como tráfego aéreo – veremos que de fato, a posse da terra é sim a raiz de todos os bens e os males.

Reportamos Karl Max (1818 - 1883), que em suas explicações sobre as origens do capitalismo apontou a posse da terra como um dos meios de produção, sem a qual, o acúmulo de riquezas ou a geração de dividendos seria infrutífero. Em suma: o capitalismo prescinde da terra.

Assim, se pensarmos nas formas de produção de riqueza ligadas à exploração dos recursos naturais na Amazônia e típicas do capitalismo, como o agronegócio (criticado veementemente por muitos), ou mesmo a produção de bens de valor agregado à biodiversidade (extrativismo), a terra demonstra valor incomparável. Daí, a extensa lista de conflitos pela posse da terra na região.

A expressão “caos fundiário” expressar que, na Amazônia, ninguém (ou poucos) sabe quem é dono de quê – incluindo os governos federal e estadual. Sem falar que os que dizem ser dono de algum imóvel rural, o são – em sua maioria – de maneira ilegal. Do ponto de vista do governo – responsável pela destinação, organização e propositor das leis - há falta de estrutura e organização administrativa para tocar o assunto. Em parte, pelas dificuldades em se trabalhar numa região com tantos problemas fisiográficos, mas, sobretudo, pelo conjunto de leis que mais travam o processo do que ajudam a acelerá-lo.

O caos fundiário brasileiro tem suas raízes ainda no Brasil Colônia com a instituição das Capitanias hereditárias seguida pelo sistema de Sesmarias. Nos dois casos, a priorização de extensas faixas de terra concentradas nas mãos de poucos foi uma constante. Bem verdade que a interiorização do espaço amazônico se deu muitas décadas depois nos anos de 1600 (leia mais: Reflexão sobre a ocupação da Amazônia seiscentista), mas herdou os erros das sesmarias.

Mudanças a caminho

Depois das Capitanias, Governos-Gerais e das Sesmarias, o Brasil delineou a primeira lei sobre a questão fundiária em 1850. Somente em 1964 o Estatuto da Terra foi criado (ainda em vigor) – e, posteriormente, mais meia dúzia de leis que regulam a posse da terra.

Em 2009, teremos mexidas significativas nestas peças legais do jogo fundiário: O governo mudará as normas para obtenção das terras.

Além disso, pensou-se, inclusive, na criação de um órgão devotado unicamente para a questão (leia mais aqui) – o que vou veementemente rebatido por setores do governo como o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA, Meio Ambiente (MMA) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) (leia).

Particularmente não creio que esta última medida resolveria coisa alguma. Pra começar teríamos um aporte desnecessário de dinheiro público sem garantias de resultados; depois, um novo órgão demoraria mais tempo do que a própria estrutura e experiência já acumulados pelo Incra e MDA teriam para resolver a questão.

Recentemente, após inúmeras quedas-de-braço envolvendo o Ministro Mangabeira Unger (tratado a leite de pato no Planalto) e seus opositores, o Palácio do Planalto, finalmente, apontou quais medidas serão tomadas para tentar resolver a questão. Para tanto, anunciou a criação de uma diretoria-executiva extraordinária dentro do MDA, para tocar o “Terra Legal” – como foi batizado o plano (leia: Governo confirma regularização fundiária).

A idéia atende às duas correntes ideológicas: os pensamentos de Unger são parcialmente atendidos, já que este acha que o Incra por si só não daria conta do recado; ao mesmo tempo, o próprio MDA e o Incra, continuam a atuar na regularização das posses (o Incra, não diretamente, mas de forma auxiliar e apóio técnico, já que o pessoal que tocará o plano é oriundo da autarquia).

Acertada, também, é a sugestão de retomar terras públicas de quem as possui acima de 2.500 hectares (1 hectare equivale a um campo de futebol) – o que aliás, é inconstitucional - se não aprovado pelo Congresso Nacional (Constituição Federal art.188, § 1º). Terras Até 1.500 seriam vendidas e entre este limite e 2.500 hectares seriam leiloadas – o que geraria um valor estimado para os cofre da União de R$ 80 bilhões (veja aqui).

Mais perfumaria ou medidas que de fato valerão alguma coisa? Difícil uma resposta fidedigna, mas, como em tudo na vida, o tempo dirá.

“Terra Legal”

O governo decidiu diferenciar o tratamento a ser dado a cada posseiro/proprietário de acordo os tamanhos das posses. Parece coerente, uma vez que o perfil dos donos são também diferenciados. Por exemplo, pequenos proprietários, em dia com a legislação ambiental e trabalhista, não pagariam pela terra e seriam beneficiados de imediato.

Porém, nem todos estão contentes com o “Terra Legal”. Alguns grupos já se opõem dizendo não aceitarem que haja posses menores que minifúndio; ou então argumentam que a regularização seria uma forma de “beneficiar o capital” (uma vez que áreas médias e grandes ganhariam com a regularização, leia manifesto). De fato, se o “Terra Legal” não atentar para quem descumpra a legislação ambiental, trabalhista ou qualquer outra, será inócua. Por outro lado, não justifica crucificá-lo pelo fato de beneficiar os grandes ou médios, e pior: sem contraproposta.

Não há uma fórmula mágica para solucionar o problema que tem mais de 500 anos. É verdade; mas pior de que qualquer alteração nas regras do jogo é deixar a coisa como está: sem comando e sem regra que funcione. Isso sim é uma fórmula infalível que estimula a bandidagem.

Nunca demais lembrar que, desde que não vá ao encontro do que diz a constituição, qualquer cidadão pode adquirir um pedaço de terra no Brasil, até mesmo os estrangeiros. Tentar organizar o lastro jurídico de um país que se direciona para a seriedade é o mínimo que se exige do governo.

Interessa ao povo brasileiro?

Nos últimos meses o fogo da discussão tem esquentado mais por conta do que fala o governo e suas discussões internas do que necessariamente pelo valor que a opinião pública tem dado do tema.

A mídia tem melhorado a cobertura sobre a região e dado ênfase a este assunto, mas ainda precisa avançar, especialmente por que o interesse da opinião pública fora da Amazônia ainda se dá da forma que conhecemos: reportagens “especiais”, escândalos, acidentes diversos e desmatamentos - vinculados eventualmente na imprensa. A sociedade organizada, por meio das (organizações não governamentais) ONGs tem contribuído de maneira mais positiva – inclusive sobre a discussão da regularização fundiária (veja manifesto).

Aos desbravadores (leia-se fazendeiros - ou não) que buscam terras baratas ou griladas a iniciativa do governo pode não ser bem vinda.

A opinião pública não irá, por si só, ser atraída por sujeitos que dizem ser donos de terras numa região tão longínqua como a Amazônia. Afinal, ele se perguntaria, o que tenho com isso? Não esperemos que a “grande mídia” corra atrás desta pauta. Daria lucros e dividendos? Não creio.

Está na hora, aproveitando o calor do assunto, de a imprensa (mais alternativa?) tomar partido ou expor as contradições do tema. As ONGs já o fizeram, os movimentos sociais envoltos na questão agrária, também. À exemplo do programa Observatório da Imprensa na TV de, 02 de Dezembro de 2008, – que tratou da Amazônia de forma geral -, por que não pensar em um especial direcionado à questão fundiária?

Se a Amazônia é nossa os problemas também o são. Fica a dica.

Artigo Publicado na íntegra no site: www.observatoriodaimprensa.com.br em 10/02/2009

*Ronaldo Pereira dos Santos é engenheiro agrônomo e servidor público federal, atuando no INCRA.
e-mail: ronaldo.santos@mns.incra,gov.br

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