As florestas da Amazônia jamais deixarão de serem derrubadas. Pelo menos pelas taxas consideradas como zero. Esta é uma constatação difícil de ser encarada, dada a importância que a manutenção da floresta tem por diversos aspectos (ciclo da água e das chuvas, biodiversidade, celeiro e fonte de alimento e vida para as comunidades locais, riquezas ainda não exploradas e - o motivo mais recente - a questão do aquecimento global). Além do valor econômico e ambiental em si, as floretas são certamente o principal ativo da região Norte sob outros aspectos, como cultural, religioso e até mesmo espiritual para os povos indígenas. O desmatamento zero, como se propagandeia os governos federal e estaduais é sim um sonho que ajudaria e muito a melhorar parte dos problemas regionais, mas - ainda que se concretize - não seria suficiente para trazer o desenvolvimento sustentável. Não bastaria, em tese, sustentar o manto verde sem um plano que parece atraente de seu uso de forma inteligente. Ou seja, não vale a pena cultivar a idéia da floresta intocada. Bem que se reconheça que propostas de utilizar seu potencial existem aos montes ou “aos baldes” como reza a gíria local.
Alguns teóricos asseguram que oferecer dinheiro para os moradores da região manter a floresta intocada é um tiro no pé e pode gerar uma dependência nada salutar. Outros, dizem ser este o único caminho, já que é difícil convencer os amazônidas em não derrubar as árvores sem um retorno palpável (e palatável), uma vez que estes argumentam que teriam o mesmo direito de crescimento econômico daqueles que fizeram em outras regiões (leia-se: Sul e Suldesde). Este crescimento ou desenvolvimento econômico viria a reboque da exploração de áreas onde a floresta é empecilho. Estariam errados os que argumentam assim?
Esta é uma questão de fato complicada: como negar ao “caboclo” o direito ao melhor uma vez que dorme e acorda sobre, entre e dentro de riquezas? (parafraseando o Governador do Estado “não peçam que o ribeirinho proteja a árvore com seu filho morrendo de fome”. Retórica ou fundo de verdade? Há argumento para os dois lados). A questão crucial é que os defensores da Amazônia em pé não cogitam nem olhar para a possibilidade de submeter a região ao mesmo modelo de exploração econômica vista nas outras regiões. Com efeito, os dados científicos disponíveis mostram que muita coisa que funciona em outras áreas não dá para fazer na região (há, sabidamente, problemas com a fertilidade dos solos, a infraestrutura ainda é limitada etc); outras, porém, são possíveis.
Interessante, neste aspecto, são os dados disponíveis sobre o tema; não há uma relação direta entre as regiões que desmataram mais e melhorias na qualidade de índices sociais, como educação e saúde. Logo, a questão de se desmatar para gerar riquezas – num sentido mais amplo para toda sociedade – é uma afirmação que deve ser melhor analisada (veja estudo publicado em inglês: Boom-and-Bust Development Patterns Across the Amazon Deforestation Frontier, publicada na revista americana Science em 12 de Junho de 2009).
Os pontos da utopia
A primeira explicação que se observa é simples: a lei brasileira para florestas permite que haja derrubada, o chamado desmatamento legal. O Código Florestal (Lei 4.471/65) diz que, para Amazônia Legal, é permitida a derrubada de até 20% da área de cada imóvel rural. Logo, para haver desmatamento zero deveria mudar a lei – o que não acontecerá neste sentido. Ponto.
Os defensores do zero na equação do desmatamento poderiam dizer que “trata-se de zerar o desmatamento ilegal” e não o que permite a Lei. Bem, pra isso, deveríamos assumir que 80% da floresta deve ser mantida e no máximo apenas 20% seria permissível à derrubada. Levando em conta que 18% da região já está no chão, temos apenas 2% de “folga”. Quantos anos mais para que apertemos a porca e não haja mais esta incômoda folga dentro do que chamar-se-ia de “derrubada legal”? A primeira premissa é que, para os 2% ainda restante, a derrubada seja totalmente legal. A segunda é que dos 18% que já foi derrubado maioria foi ilegal. Cálculos iniciais mostram que ritmo médio oúltimos anos entre 10 e 15 anos chegaríamos aos 20% (há algumas estimativas também feitas por P. Fearnside. 2009. Brazil’s evolving proposal to control deforestation: Amazon still at risk. Environmental Conservation).
Outra questão que depõe contra o plano desmatamento zero é a de mercado. A região entrou de vez na lógica de rota da produtividade agroexportadora do Brasil. Aqui, produz-se boa parte dos produtos primários de peso importante na balança comercial (aquilo que vendemos aos outros paises). Destaque para a soja e a carne bovina – sendo que a madeira também tem um papel importante, mas sofre menos os efeitos do mercado por não ser um produto de primeira necessidade. Os preços destes itens tendem a forçar (ou refrescar) a pressão sobre a derrubada florestal. Quanto mais a demanda lá fora cresce mais os satélites capturam áreas desmatadas maiores.
Nesta mesma linha, abrimos outro parêntese para breves comentários sobre os projetos a que a região vem sendo palco. Na ânsia de se fazer girar a roda da economia os sucessivos governos têm criado muitos projetos cujos impactos são – em maioria - negativos. Os atuais vão ao encontro da produção de energia (as hidrelétricas do rio Madeira e Xingu), ao fortalecimento do transporte regional por meio da reativação de três rodovias federais que, segundo boa parte dos estudiosos, aumentaram a pressão sobre a floresta: “O principal impacto de pavimentar a rodovia (...) neste momento seria acelerar a destruição da floresta ao longo de sua rota...”, afirmam P. Fearnside e Paulo Graça, em artigo da Scientific América Brasil. O governo diz que dá para controlar o desmatamento por meio de medidas conjugadas de combate, controle, fiscalização e incentivo à produção. Com efeito, o desmatamento caiu em 2009 e pode ser atribuído a este fato, mas também caíram o preço da soja e da carne no mercado. Em suma, os projetos atraem naturalmente mais gente para região e isso se traduz em mais queda de árvores.
Por fim, como tudo está relacionado a dinheiro, este não poderia deixar de figurar como um ponto a ser analisado. Qual o custo de zerar a queda dos troncos amazônicos? Os números são conflitantes, mas – no geral – são contas astronômicas. Passam certamente dos 15 bilhões de reais, dependendo de quem faz a conta. Com é muito dinheiro para garantir a floresta em pé, ninguém garante, até o momento, de onde este dinheiro virá (embora haja o Fundo Amazônia, mas é uma gota no oceano), o que torna a missão mais sonhadora.
No campo o cenário muda
Ainda que não existissem os perturbadores argumentos citados acima algo que não se pode esquecer é o que acontece na vida real. O contato com a realidade das muitas “amazônias” mostra uma disparidade enorme entre o que se planeja em Brasilia, Manaus ou Belém e o que se vive de sol-a-sol. É hiper complicado trazer na prática a necessidade de não mais desmatar. Observando e vivenciando nos pontos onde mais se desmata (por exemplo os 43 municípios elencados pelo Ministério do Meio Ambiente) o que se vê é que o risco de fazê-lo é pequeno e as vantagens são grandes (lucro).
Onde está a lógica então de se propagandear o desmatamento zero? Bem, quem o faz chama pra sim os holofotes, ganha atenção e – em tempos eleitorais - isso é uma “big” vantagem. Mas não somente há interesses políticos (ou politiqueiros). Há também tentativa de resolver um problema que está longe de ser solucionado pelo simples fato de ser uma das principais pedras no sapato de quem quer que seja.
Como dito no inicio, ainda que nenhum tronco seja mais derrubado na Amazônia a região não ganha em resultado em si apenas por isso. Há 25 milhões de brasileiros vivendo nesta região e não se pode considerá-la com um paraíso intocado. É possível sim trazer benefícios socioeconômicos e ao mesmo tempo proteger os recursos biológicos; mas já estamos cansados de ler, escrever, ouvir e falar nisso, não é mesmo? Por isso tudo falar em desmatamento zero, aqui na Amazônia não passa de uma grande utopia.
*Ronaldo Pereira dos Santos é Engenheiro Agronomo e servidor federal de Carreira, do INCRA.
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