Pesquisar este blog

sábado, 26 de março de 2011

Lei Florestal não diz nada aos povos da cidade


                                                                                                                           Ronaldo Santos*

A reforma no código florestal não representa muita (ou quase nada) aos povos que longe dela vivem. Esta afirmação – embora assustadora para quem labuta, milita ou tem alguma relação com as florestas - parece não fazer muito sentido. De fato não faz.

A Lei Florestal trata da proteção e uso de matas nativas e plantadas no território brasileiro. É antiga. Seus primeiros rabiscos datam ainda de 1934; foi reformulada ao longo dos anos e agora ganha cores com a nova reforma nas mãos do parlamento.

Apesar de sua longevidade e importância, os povos da cidade que pouca relação direta têm com as riquezas naturais - a não ser um fim de semana nos sítios das redondezas - no geral, dão de ombros à discussão que se trava para a mudança nas regras de uso e proteção das matas.

Floresta = riqueza

Neste sentido, um morador das cidades, medianamente informado, pode, com suas razões, declarar que não tem nada a ver com isso. Afinal ele não é agricultor, nem governo nem membro de ONG. Obvio? Nem tanto.

As informações acumuladas até agora, no campo científico, dão conta de que todos são, de alguma forma, afetados ou beneficiados com a presença ou ausência das matas. Vejamos.

Com efeito, há inúmeras formas de benefícios indiretos aproveitados pelos urbanóides com a presença das florestas (veja artigo aqui). A lista é enorme: fornecimento de água, proteção dos rios, influência no ciclo das chuvas, regulação da temperatura, absorção de gases atmosféricos, fonte de bioprodutos (medicina, cosméticos etc), proteção das espécies...

A discussão da mudança na Lei ou Código Florestal deve, portanto, ser artigo de urgente e primeira necessidade, não? Bem, num primeiro olhar, sim; mas, ao que parece somente o povo rural – que serão mais diretamente afetados com as mudanças na proteção de porções de florestas nas propriedades – se preocupa coma questão.

Só no Brasil?

Baseado nisso, o relator da proposta de mudança na Lei, Deputado Aldo Rebelo, em recente visita ao Sudoeste do Amazonas, Município de Boca do Acre, traz um argumento revelador: os países que mais agitam a bandeira da proteção ambiental - e sede de muitas das principais organizações anti-reforma - , não possuem uma estrutura legal de proteção das florestas como a nossa. “Andei na Europa, Estados Unidos, Canadá, lá eles não tem reserva legal nas propriedades rurais. Por que só pedem do Brasil?”, alfinetou Aldo.

Obviamente que não podemos deixar de ter somente pelo fato dos outros não terem. Seria bobagem. Mas, do ponto de vista dos interesses, carece uma análise mais detida sobre o argumento do Deputado. Ele, porém, adiciona outros argumentos para embasar a mudança na Lei: as regras não atendem mais a realidade do país. Em muitos casos é um fato.

Um dos principais argumentos á reformulação está no não cumprimento. Em parte, pela falha na fiscalização, mas, sobretudo, na possibilidade real de ser cumprida. Há clara insegurança jurídica (sobretudo nas mudanças to tamanho da reserva legal).

Por exemplo, há casos onde um agricultor na Amazônia pode ficar sem área a ser cultivada. Se ele observar, palmo a palmo, o que diz a Lei em vigor fica em nada para o plantio. A proposta de Aldo tenta concertar esta visão.

Sem consenso, a mudança vai resolver?

A mudança na proposta, a ser votada em mais algumas semanas no Congresso, é uma daquelas onde sobra polêmica e falta consenso. A análise contrária mais clara, equilibrada e com sugestões factíveis à disposição do público foi feita pela ONG Imazon, de Belém (aqui disponível).

Na prática, contudo, não há mais espaço para alterações. Com aparente segurança no que acredita, Aldo enfatiza: “Já ouvimos a todos, fizemos inúmeras viagens, fóruns e oficinas científicas sobre o tema. E, mais importante, ouvimos os agricultores”, afirmou Aldo Rebelo em Boca do Acre.

Contrário às crenças do Deputado, a maior parte dos cientistas, contudo, mostra-se temerosa às propostas. Bradam que a mudança trará conseqüências à biodiversidade e seria um tiro no pé da agricultura – que, ao fim e ao cabo depende de água para a sua existência. Os dados disponíveis lhes dão razão.

E afinal, por que a Lei não faz sentido aos urbanos? Com efeito, esta falta de lógica do povo da cidade em não se importa com a Lei Florestal vai à contramão da razão. Esquecem-se, por exemplo, de que está no campo a origem de tudo que comemos, praticamente.

Assim, o desligamento com os fatores do campo – como parte explicativa de uma sociedade cada vez mais ligada ao que vem da tecnologia e das cidades - faz com que, por exemplo, vivamos à custa de apenas 5% da população mundial produzindo comida para os demais.

Este fato explica, mas não resolve o problema. Manter a Lei como está ou mesmo a sua mudança, infelizmente, parece que também não resolverão.

*Ronaldo Santos é engenheiro agrônomo, servidor público federal de carreira e escreve costumeiramente neste endereço eletrrônico.

Nenhum comentário: