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sábado, 13 de março de 2010

VINTE ANOS DEPOIS ZÉLIA CARDOSO ABRE O JOGO
 SOBRE O PLANO COLLOR E O CONFISCO

Nova York - A ex-ministra da Fazenda Zélia Cardoso de Mello é, para muitos brasileiros, a "cara" de um plano que bloqueou contas correntes e poupanças e atrapalhou a vida de muita gente. Vinte anos depois da criação do Plano Collor, a economista hoje mora em Nova York, onde atua como consultora.
Apesar de ter ficado no imaginário popular como a chefe da principal pasta da economia brasileira, Zélia ficou pouco tempo no cargo. Depois de sair do governo, casou-se com o humorista Chico Anysio (de quem posteriormente se separou), teve filhos e foi tema de uma biografia escrita por Fernando Sabino, "Zélia, uma paixão".
Em entrevista concedida por telefone ao G1, ela relembrou o plano elaborado há duas décadas para acabar com a inflação com um golpe só – ou, nas palavras do ex-presidente Fernando Collor, com um "ippon". A ex-ministra disse que não se considera preparada para avaliar as razões do fracasso desse objetivo, mas disse que as medidas foram além do bloqueio da poupança.
Segundo ela, a ideia de retirar o dinheiro do mercado teve base técnica. "Nós tínhamos que ter pressa. Pressa porque a situação era muito grave. [...] Eu diria até que a pressa era uma condição necessária, porque todos os dias o dinheiro de cada um estava perdendo valor".
Leia os principais trechos da entrevista de Zélia Cardoso de Mello ao G1 sobre os seguintes temas:
ORIGENS DO PLANO COLLOR
"As pessoas quando falam do Plano Collor estão falando na reforma monetária, ou estão falando, mais vulgarmente, do confisco do dinheiro, do bloqueio da poupança. O Plano Collor era mais do que isso, [...] tinha todas as medidas estruturais que na verdade mudaram o Brasil. A privatização, a abertura da economia, política social, o fim da reserva da informática.
[...] Não foi nenhuma ideia original. Era um assunto que estava na pauta de discussão de vários partidos da época, vários economistas estavam discutindo essa possibilidade"
Então, o Plano Collor como esse aspecto mais geral, mais estrutural, começou a ser discutido durante a campanha [de Fernando Collor de Mello]. Agora, o plano Collor visto só como bloqueio da poupança, esse começou a ser discutido só depois que o presidente Collor foi eleito."
"No começo de janeiro, tivemos uma reunião com o presidente e apresentamos as ideias. O presidente aprovou e autorizou a trabalhar mais e discutir."
"Vários países da Europa enfrentaram a hiperinflação nos anos 30. Essa questão da reforma [monetária] começou a ser discutida inclusive em vários partidos, vinha sendo discutida no PMDB, quer dizer, não foi nenhuma ideia original. Era um assunto que estava na pauta de discussão de vários partidos da época, vários economistas estavam discutindo essa possibilidade."
DECISÃO O CONFISCO
"Não existe nenhuma história [sobre como foi decidido o valor acima do qual seriam bloqueados os recursos de contas correntes e poupanças]. O que tem é a imprensa distorcendo palavras. Havia um grupo estudando e trabalhando mais especificamente na reforma monetária.
O grupo usou dados do Banco Central para chegar a algumas possibilidades. Havia uma possibilidade A, uma possibilidade B, uma possibilidade C. Simplesmente foi isso que aconteceu. Existiam algumas possibilidades que derivaram de estudos feitos à base de dados fornecidos pelo Banco Central a respeito de depósitos em conta-corrente, depósitos em poupança etc. E o número final foi decidido em uma discussão com vários economistas."
PRESSA E "IPPON" NA INFLAÇÃO
"Eu acho que as causas do plano não ter sido bem sucedido fogem ao escopo do que eu posso responder nesta entrevista. Agora, eu não acho que pressa tenha sido uma dessas causas. Pelo contrário. É que as pessoas esquecem que a gente tinha inflação de 82% ao mês. Hoje você tem inflação de 4,5% ao ano.
Inflação de 82% ao mês significa que você tem quase 2.000% ao ano. [...] Nós tínhamos que ter pressa"
Inflação de 82% ao mês significa que você tem quase 2.000% ao ano. Isso é hiperinflação. Nós tínhamos que ter pressa. Pressa porque a situação era muito grave. A pressa com certeza não foi uma das causas do fracasso e eu diria até que a pressa era uma condição necessária, porque todos os dias o dinheiro de cada um estava perdendo valor."
DIFERENÇAS ENTRE TEORIA E PRÁTICA DO PLANO COLLOR
"Essa pergunta é impossível de responder, precisa de um estudo acadêmico. [...] Não é uma pergunta simples, é uma pergunta complexa, com uma resposta complexa, que eu não sou capaz de dar porque eu ainda não fiz essa reflexão retrospectiva a respeito da diferença entre a teoria e a prática. Mas há acadêmicos que fizeram, então acho que tem que ser discutido por acadêmicos que estudam a questão."
OBJETIVOS DO CONFISCO
"É muito difícil para as pessoas entenderem [a razão do bloqueio das contas], porque elas precisam entender um pouquinho de economia. Mas basicamente é o seguinte: como o sistema estava implantando, o funcionamento da economia brasileira, não havia ajuste fiscal que fosse possível fazer.
Não havia ajuste fiscal que fosse possível fazer. O governo não tinha condições de se financiar a médio e longo prazo, só podia se financiar no dia a dia"
O governo não tinha condições de se financiar a médio e longo prazo, só podia se financiar no dia a dia, no "overnight", e cada vez pagar juros mais altos. Qualquer ajuste fiscal que você fizesse, todo o resultado [seria] absorvido pelo pagamento de juros. Isso criava um círculo vicioso onde era absolutamente impossível fazer um saneamento das contas do governo. E a moeda estava perdendo seu valor por causa desse círculo vicioso."
"[Antes do bloqueio], todos os juros eram variáveis. O governo estava consumindo todos os seus recursos fiscais pagando juros. Quando você fez a conversão e disse que a pessoa só ia poder retirar aquilo depois de tantos meses a um juro pré-estabelecido, você eliminou essa condição básica. Em vez de todo dia o governo estar se financiando no mercado a juros variáveis, aí estava estabelecido que ele estava se financiando naquele prazo em que os depósitos ficaram congelados, vamos dizer assim, a um juro pré-estabelecido."
PLANO REAL
"O Plano Real, que foi originalmente formulado, na sua base teórica, pelo André Lara Resende, pelo Persio Arida, no caso brasileiro e no caso de países que tinham as características que o Brasil tinha na época, foi um plano de inflação teoricamente muito bem formulado.
É claro que eu acho que várias condições para [o sucesso do Plano Real] haviam sido criadas pelo Plano Collor"
É claro que eu acho que várias condições para esse sucesso haviam sido criadas pelo Plano Collor, mas pelo Plano Collor entendido como um programa que teve um ajuste fiscal tremendo, que teve um programa de privatização extremamente efetivo.
Lançaram-se as bases do programa de privatização e depois ele foi sendo implementado progressivamente. O programa de abertura comercial, de liberalização da economia. Eliminamos a reserva de informática. Enfim, houve várias medidas do programa que deram base depois para um sucesso de um programa de estabilização."
"[Na época do Plano Real, o Brasil] tinha uma economia mais competitiva, tinha uma economia que não era tão monopolizada, mais aberta, com mais reservas. Econômicas, tinha todas as condições possíveis. Políticas, também. Era um outro momento, havia condições de mais negociação com o Congresso, ele foi implementado de uma maneira até melhor e mais coerente, com certeza. Havia condições econômicas e condições políticas melhores, bem melhores."
O QUE ACHA DA POSSIBILIDADE DE O BRASIL TER UMA PRESIDENTE MULHER
"Eu acho ótimo, acho que as mulheres têm cada vez mais que ocupar cargos importantes, determinantes. Mas acho que o problema não é ter uma presidente mulher, ou um presidente homem; a questão é termos um presidente que se comprometa com os avanços que foram feitos até agora na economia brasileira. Que não retroceda, que possa fazer um controle adequado das contas, fazer um ajuste fiscal se necessário, e que crie as condições para o desenvolvimento.
O problema não é ter uma presidente mulher, ou um presidente homem; a questão é termos um presidente que se comprometa com os avanços que foram feitos até agora na economia brasileira"
O Brasil tem ido muito bem nos últimos anos, o Brasil em 2008 cresceu 5%, em 2009 teve um declínio do produto nacional, mas por conta da crise. O Brasil respondeu muito bem à crise e saiu da crise muito bem e muito fortalecido. Rapidamente voltaram os capitais para o Brasil. O Brasil tem condições de entrar em um círculo virtuoso de crescimento.
O que é importante é que a próxima administração esteja comprometida com essas condições estruturais básicas que vão poder fazer com que o crescimento continue. Eu acho que isso é mais importante do que se é homem ou se é mulher."
VIDA ATUAL
"Eu trabalho em consultoria [em Nova York], tenho um escritório com dois sócios americanos. Eu tenho uma originação de negócios no Brasil, grupos de pessoas, grupos de empresas que procuram investidores, e os meus sócios acham esses investidores para alocar recursos em alguns projetos no Brasil. Não é consultoria macroeconômica, nada disso. É como se fosse um pequeno banco de investimentos buscando oportunidades no Brasil para investidores estrangeiros."(Fonte: G-1)

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