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quarta-feira, 10 de março de 2010

Quando os laboratórios se calam
                                                           
                                                              *Ronaldo Pereira dos Santos

A liberdade de expressão não está sendo utilizada em sua plenitude pelos pesquisadores e doutores do Amazonas. A timidez e mudez dos intelectuais ou formadores de opinião no nos últimos anos é inquietante.
Incomoda por um motivo simples: o estado possui o maior número de acontecimentos em obras de infra-estrutura com impactos socioeconômicos e ambientais do Brasil - embora talvez não seja onde haja mais volume de recursos investidos (nem precisamos falar nos velhos temas que suscitam debates há anos como a internacionalização, territórios indígenas, desmatamento etc).

Fiquemos apenas nas obras, portanto.

Há pra todo gosto: gasoduto Coari-Manaus, restauração na BR-319, 317 e 307 (fronteira Brasil – Venezuela) ponte sobre o rio Negro, gasoduto na cidade de Manaus, obras da copa do mundo (arena, monotrilhos), recuperação do aeroporto internacional, uma linha de transmissão de energia com características técnicas inéditas (Tucurui – Manaus) e linha de fibra ótica enterrada (Manaus- Boa Vista).

Não falta sobre o que falar!!

É pouco que justifique o silêncio dos que deveriam se expressar? Não é este, afinal, o papel daqueles mais bem preparados intelectualmente, daqueles que têm mais acesso a informação de ponta, de última linha diretamente da fonte que mais interessa?
Sim. Esta é uma das funções da ciência, do saber e do campo da descoberta. Não somente gerá-la, mas difundi-la. E difundir significa também destoar do pensamento reinante, do “status quo”.
Diga-se à tempo: ainda que tudo esteja 100% dentro daquilo que se espera, há necessidade do contra-ponto, do contraditório do livre pensar. E quem disse que opinião é apenas para falar mal?
Infelizmente, soma-se a este fato, a quase inexistência de uma oposição política – tanto no âmbito da Câmara municipal quanto da Assembléia. Mesmo a mídia local – que têm evidentemente seus interesses de vendagem e compromissos com seus anunciantes – pouco contribui (claro que há mais fatos em denúncia de corrupção, mas já virou rotina). Mas a mídia é fruto dos pensadores, afinal, e logo, são resultado da falta de imaginação (ou coragem) dos que não querem se expor. Não a culpemos por completo.

Andorinhas em todo lugar

O fenômeno das andorinhas pensantes não se restringe ao coração da Amazônia. Há silêncio na comunidade cientifica em praticamente todos os estados do Brasil. Raramente se vê germinar boas análises críticas - tanto as construtivas (mais bem vindas) - quanto da análise de conjuntura, impactos (positivos e negativos), peças de reflexão, chamamento à análises mais profundas ou simples exposição do que se acha sobre o que está acontecendo.
Há, naturalmente, exceções; mas elas são tão solitárias que se perdem no que se vê na média geral. Basta um sopro e estes evaporam com o tempo e com a chegada de novas informações.
Um caso emblemático é a fala quase solitária de pesquisadores do INPA sobre a reforma da BR-319. Errados ou certos – e aqui sem fazer ideologização ou juízo de valor de suas opiniões -, estes se prestam ao serviço de disseminar a informação cientifica; de criticar; de expor suas idéias; de apontar caminhos alternativos. Ora, natural que sejam, portanto, igualmente criticados (em excesso, diga-se). Suas caras estão à tapa!

Ruins na comunicação?

Há uma máxima no meio cientifico e jornalístico que os doutores e PhD´s são “crânio”, mas não sabem passar a informação. De fato, isso se aplica à boa parte - justificado especialmente pelo adestramento em confinar suas opiniões nos jornais especializados. Por outro lado, há pesquisadores que detém o dom da palavra (e da escrita).
Neste quesito, chama a atenção uma coisa interessante. Praticamente não há blogs (sites pessoais de opinião) assinado por cientistas. A maioria dos blogs sobre ciência é assinado por quem? Jornalistas. Uma olhada rápida na “blogosfera” mostra que os jornalistas dominam o setor nos outros campo também. Natural e nada de errado nisso. Mas, coincidência? Falta de tempo dos doutores ou simplesmente pouco interesse em expor o que pensam?
Mesmo nas mídias mais convencionais, como opinião em jornais populares, a participação dos cérebros da sociedade ainda é pífia. Talvez esteja na hora de debatermos, pelo menos, a possibilidade de incentivar a participação.
Um pensamento que pode ser sugerido é a criação de um novo tipo de pontuação voltado ao pessoal técnico - cientifico, mas diferente dos jornais especializados. Seria uma espécie de “bolsa de pontos” computada na conta dos intelectuais de cada área do conhecimento. O critério, contudo, pesaria mais com a valorização do aspecto informativo às massas. Haveria uma espécie de “ranking” com peso a jornal A ou B (dependendo da circulação); entrevistas teriam seu peso também. Assuntos voltados à população em geral seriam mais importantes: opiniões sobre obras, estudos de impacto ambiental, consultas públicas, colaboração em processos judiciais cujo objeto seja de interesse difuso (coletivo), entre outras idéias. Seria uma espécie de “Lattes Social” (analogia ao currículo Lattes, que privilegia a produção acadêmica).
Ora, isso poderia melhorar a participação dos doutores, uma vez que, há alguns anos atrás, quando foram pressionados a publicarem mais artigos nos jornais científicos os números melhoraram no geral (em alguns casos, o salário e o dinheiro para pesquisa aumentam proporcionalmente ao que se publica). A participação no Lattes Social poderia até ser incluída no Lattes convencional (!!!).
Má idéia? Impraticável? Talvez. Mas algo não pode ser negado. A sociedade funciona melhor quando aqueles que sabem falam.

*Ronaldo Pereira dos Santos é engenheiro agronôno, servidor de carreira do INCRA e escreve sempre nestge endereço. E-mail: ronaldo.santos@mns.incra.gov.br




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